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Breve História do Rio Grande do Sul. Ensaio de interpretação marxista



Transcrição da live de apresentação da segunda edição de Breve História do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais, do historiador Mário Maestri. https://www.youtube.com/watch?v=doJTiFBcwlE


Wagner Cardoso Jardim: Mário Maestri acaba de lançar uma segunda edição de sua Breve História do Rio Grande do Sul: da Pré-História aos dias Atuais. O livro de mais 450 páginas, publicado em 2010, pela UPF Editora, há muito esgotado, circulava ultimamente apenas em versão pdf. Nesse trabalho, o autor propõe uma apresentação geral da história do Rio Grande do Sul, desde uma ótima marxista. O programa mensal de Mário Maestri em “Fronteira Vermelha”, um programa do sítio Pela manhã, Alamatina é dedicado a discutir esse trabalho e sua segunda edição.


Wagner Cardoso Jardim: Bom dia, companheiro Mário Maestri, poderias nos falar um pouco sobre sua Breve História do Rio Grande do Sul, agora na sua segunda edição.


Mário Maestri: Meu bom dia a ti e a todas e todos. Todo livro tem seu passado. A Breve história do Rio Grande do Sul teve uma longa pré-história produtiva. Como historiador marxista, sempre me preocupei em apreender os fenômenos históricos a partir da totalidade, do geral, mesmo quando investigava as particularidades históricas, ou seja, períodos e temas singulares .


Nos anos 1980, apenas chegado ao Brasil, após sete anos de exílio, no Chile, no México e na Bélgica, como professor sobretudo do Programa de Pós-Gradução em História da PUC-RS e da UFRJ, empreendi investigação geral sobre a formação social brasileira, enquanto concentrava minhas investigações, naquele então, na história da África Negra Pré-Colonial e, sobretudo, da escravidão colonial no Brasil e no Rio Grande do Sul.


Naquelas instituições, UFRJ e PUC RS, na gradução, me responsabilizei mais comumente pelas disciplinas História do Brasil Colonial e Imperial, que apresentei, sempre, em forma expositiva. Em 1997, publiquei, pela Editora Contexto, de São Paulo, em dois tomos, uma História do Brasil Colônia e Império, que consistia em a sistematização de meus cursos na graduação daquelas instituições. Em 2019, ampliei, em uma leitura sobretudo analítica aquela interpretação, no livro Revolução e contra-revolução no Brasil: 1530-2019, já em sua segunda edição, também publicada em espanhol. (https://clubedeautores.com.br/livro/revolucao-e-contra-revolucao-no-brasil)


No Rio Grande do Sul, ingressei na Universidade de Passo Fundo, em 1995, para fortalecer o projeto de lançamento do Programa de Pós-Graduação em História daquela instituição. Na UPF, na graduação, por uns vinte anos, fui o responsável pela História do Rio Grande do Sul, apresentada em dois semestres.


Fora sempre um meu projeto, digamos, político-acadêmico, apreender os nexos centrais da história da formação social sul-rio-grandense, como seguia, e sigo fazendo, no relativo à história do Brasil. Ou seja, tentar compreender os “segredos internos” do passado sulino, escamoteados pelos ideólogos, de ontem e de hoje, das classes dominantes regionais e nacionais, com o objetivo de melhor manipular e determinar o presente.


Minha Breve história do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais foi tomando corpo, através de literalmente 25 anos, primeiro como textos fornecidos aos alunos, após cada aula e, a seguir, em diversas edições de opúsculos, sempre revisados revisados, editados na então magnífica editora e gráfica daquela instituição, hoje tristemente desarticulada.


Mais tarde, em 2005, publiquei edições de quatro livrinhos: Uma história do Rio Grande do Sul: a ocupação do território: da luta pelo território à instalação da economia pastoril-charqueadora escravista; Uma história do Rio Grande do Sul: O império: da consolidação à crise do escravismo - 1822-1889; Uma história do Rio Grande do Sul: A república Velha: desenvolvimento, consolidação e crise do capitalismo regional - 1889-1930. O último abordava a chamada República Nova no RS.


Finalmente, em 2010, consolidei os quatro livrinhos isolados em um volume, com uma atualização mais detida. A edição terminou se esgotando em um vapt-vupt e, envolvido em outros projetos, coloquei à disposição o pdf do livro e fui deixando o tempo passar para preparar uma segunda edição, o que fiz, agora, como prisioneiro da Covid, como milhões de outros sobretudo veteranos e veteranas no Brasil e no Mundo.


Wagner Cardoso Jardim: Uma primeira questão. Como o companheiro colocou, sua longa investigação teve como objetivo realizar uma leitura marxista da história do Rio Grande do Sul. Poderias nos falar, um pouco, dos resultados a que chegaste.


No contexto do material de que dispunha, das investigações que realizei e de minhas capacidades, procurei realizar uma apresentação sintética dos fatos históricos, inevitavelmente selecionados, interpretados no particular e no geral no contexto da luta de classes. Portanto, desde a ótica das classes trabalhadoras. Viés analítico que sempre impulsionei em meu trabalho como historiador.


Um parêntese. Em 1980, ao apresentar na UCL, na Bélgica, minha tese de doutoramento sobre a escravidão no Rio Grande do Sul, tema então praticamente inexplorado, à exceção do trabalho do FHC, o historiador francês Frederic Mauro comentou brincalhão que participara de diversas bancas examinadoras em que se pesquisavam as classes dominantes do Brasil e esqueciam os explorados. A minha seria, segundo ele, a primeira em que ocorria o contrário …


Não é o que ocorre em Breve história do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais, onde dedico, devido à própria exigência do objetivo de estudo, larga atenção às classes dominantes no Rio Grande do Sul. Na primeira parte do livro, descrevo a ocupação do atual território rio-grandense pelas comunidades nativas americanas e pelas missões jesuíticas espanholas. Abordo, igualmente, a importante determinação, na expansão luso-brasileira, da Colônia do Sacramento, fundada em 1680, no atual meridião uruguaio.


A análise desse período se encerra com a gênese e consolidação da produção pastoril-charqueadora escravista sulina, que exportava sua produção para o resto do Brasil e outras regiões das Américas. Destaco o papel do cativo campeiro nas fazendas pastoris, a escravidão e a luta de classes no Sul assim como a chegada dos colonos-camponeses imigrantes da língua alemã, que iniciava a singularização da história sulina, em relação ao resto do Brasil, onde dominava a economia latifundiária escravista inconteste.


Este primeiro período foi o da consolidação de uma classe dominante regional pastoril e charqueadora, centrada fortemente no litoral e sobretudo no meridão do Rio Grande do Sul. Uma classe dominante pastoril ferreamente escravista, algo tradicionalmente descurado, desprezado, minimizado e mesmo negado pela historiografia tradicional regional e nacional, a fim de manter a mitologia fundacional sobre a história do Rio Grande do Sul, a “democracia pastoril” e a “produção pastoril sem trabalho”, ou seja, “esforço”. Nesses anos, a metade norte do Rio Grande do Sul desempenhava papel fortemente acessório.


Wagner Cardoso Jardim: Uma consolidação das classes dominantes sulinas que repercute muito na história do RS no Império, não?


Exatamente. Consolida-se no Rio Grande do Sul uma classe dominante charqueadora e sobretudo pastoril escravista, produzindo diretamente para a exportação. Uma facção, digamos, luso-brasileira e brasileira, de uma comunidade regional pastoril que se espraiava pelos campos da província da Banda Oriental, das províncias de Buenos Aires, de Santa Fé, de Entre-Rios, de Corrientes. A grande diferença entre os criadores sulinos e os platinos foi a dominância do cativo campeiro como mão de obra, no nosso caso. A determinação da sociedade sulina por essa realidade platina espera um melhor estudo, hoje em desenvolvimento.


A autonomia econômico-social de fato, sobretudo da sociedade pastori do meridião sulino, dominante, ensejou o movimento separatista rio-grandense, que não foi acompanhado pelo litoral, pela economia colonial alemã, pelo planalto. Um movimento sob forte influência das forças centrífugas platinas assinaladas. Destaco o caráter latifundiário e escravista da República Rio-grandense, portanto essencialmente elitista, e a necessidade de armar cativos, devido à pouca importância da população “gaúcha”, no sentido estrito do termo, no RS, terra de latifúndio e de cativos. Tivemos nossos “gaúchos”, é verdade, mas jamais fomos terra de gaúchos, ao contrário das regiões platinas assinaladas, com destaque para a Banda Oriental, as províncias de Buenos Aires, Santa Fé, Entre Rios, Corrientes.


Essa segunda parte da história do Rio grande do Sul se encerra com a depressão política motivada pela derrota conhecida pelas classes dominantes pastoris escravistas sul-rio-grandenses, que conheceram a ocupação militar sob o tacão de Caxias. Entretanto, as classes pastoris meridionais levantam a seguir a cabeça, parcialmente, devido à retomada da impulsão da economia pastoril-charqueadora, com o ciclo do café — que necessitava charque, para os cativos, couro, para os sacos de café, produtos fornecidos sobretudo pelo meridião do Rio Grande do Sul. De republicanos e separatistas, os fazendeiros escravistas farroupilhas se metamorfosearam em liberais e federalistas, reconquistando a supremacia política regional por longas décadas. E mantiveram-se firmes na defesa da escravidão.


Destaco a importância desses setores hegemônicos regionais na invasão pelo Império da República Oriental do Uruguai - onde possuíam enormes latifúndios e se comportavam como senhores da parte norte daquele país. Um movimento determinante que motivou o início da fratricida Guerra do Paraguai. Nessas conjunturas, os ex-farroupilhas lutaram sem nojo sob a bandeira imperial, em defesa de seus interesses materiais. Enfatizo igualmente, no fim do Império, a importância fulcral da retomada da imigração colonial-camponesa, na Encosta Superior da Serra, agora sobretudo com colonos sem terra chegados no nordeste da Itália, para o perfil que o RS assumiria quando da República.


Na terceira parte de Breve História do Rio Grande do Sul, analiso a singularidade da República no sul do Brasil, em relação ao resto do país, devido ao dinamismo ensejado pela economia colonial camponesa, sobretudo alemã e italiana, que deslocara o coração econômico da metade sul para a metade norte do Rio Grande do Sul, alimentando o desenvolvimento de Porto Alegre, na Depressão Central, em detrimento de Pelotas, Rio Grande, Bagé, na Metade Sul.


Após 1889, “republica castilhista”, de viés positivista, funcionou como super-estrutura política e institucional da transferência do poder político regional das classes oligárquico-pastoris pré-capitalistas da metade sul e da depressão central para às mãos de um novo bloco social, mercantil, pró-capitalista, produzindo para o mercado regional, sobretudo. Bloco conformado pela agricultura, comércio e indústria da Serra, do Planalto e da Depressão Central, com o coração em Porto Alegre. O viés autoritário do castilhismo foi o instrumento da verdadeira revolução burguesa, desde as alturas, que conformou a modernidade relativa do Rio Grande do Sul, em relação ao resto do Brasil, naqueles anos. Nessa instância, destaco o forte processo sulino de industrialização, dependente da economia colonial camponesa, e a formação da classe operária no Rio Grande do Sul.


A República Velha, sob o reino do Partido Republicano Riograndense, foi de certo modo e relativamente, a Era de Ouro do Rio Grande do Sul. Nela se procedeu o avanço da industrialização, das instituições públicas, da escolarização, do Estado. Um processo de modernização capitalista conservadora que, entretanto, jamais questionou o latifúndio, apesar de ter ensejado transferência forçada de renda do campo para a indústria. O seu grande talão de Aquiles.


Wagner Cardoso Jardim: Um período que se encerra com a revolução de 1930, não?


Mais precisamente em 1937. E se encerra ingloriamente. Na quarta e última parte do livro, abordo a chamada Revolução de 1930, movimento das forças oligárquicas dos estados marginais contra a hegemonia cafeicultora sobretudo paulista. Movimento que terminou, entretanto, abiscoitado pelo núcleo industrial sobretudo de Rio de Janeiro e São Paulo. Núcleo de capital interpretado e acaudilhado por Getúlio Vargas, que procurou reduzir – de modo consciente - o RS ao “celeiro do Brasil”, ou seja, secundarizar a industrialização sulina.


Um movimento ao qual se opôs Flores da Cunha, então governador do Estado, com um programa extremamente adiantado do ponto de vista econômico e mesmo social, que procurava relançar e integrar a indústria rio-grandense ao resto do Brasil. Sua tentativa de oposição armada ao golpe getulista de 1937, iniciou o processo histórico de subalternização rio-grandense. E Flores da Cunha foi derrotado por que uma importante facção as classes dominantes sulinas retiraram-lhe o apoio, aceitando a submissão do centro-sul, sem qualquer resistência. Era o início da aceitação, por parte das facções dominantes do Sul, da subalternização do Estado, diante do poder central, primeiro, e dos interesses internacionais, a seguir.


Os interventores sulinos, quando da Ditadura Nacional-Industrialista de Getúlio Vargas, em favor do capital de São Paulo e Rio de Janeiro, que se arrastou de 1937 a 1945, foram espécies de sargentões, militares e civis, correias de transmissão dos interesses do centro-sul em forte processo de industrialização. Getúlio Vargas não concedeu absolutamente nada ao seu estado, retirando dele o que achou necessário. Fez tudo por São Paulo, onde é odiado, e esculhambou o RS, onde é venerado.


Destaco, nesse processo, o governo de Leonel Brizola que, de certo modo, retomou, expandiu e modernizou as propostas do período castilhista e de Flores da Cunha, de integração industrial do Rio Grande do Sul na economia brasileira. Fortaleceu ou criou a Aços Finos Piratini, a CEE, a CRT, o Banrisul, o Banco Regional de Desenvolvimento, a melhor rede de ensino público estadual do Brasil. Faltou pouco para criar uma moeda regional, o que de certo modo ensaiou, com as Brizoletas.


Paradoxalmente, quando Brizola compreendeu que, para avançar seu projeto burguês-democrático regional de modernização, deveria se apoiar mais fortemente nas classes trabalhadoras urbanas e rurais - com a reforma agrária que ampliaria a base capitalista sulina -, teve seu projeto traído, mais uma vez, assim como aconteceu com Flores da Cunha, por uma grande facção das classes dominantes regionais. Estas últimas não permitiram que elegesse seu sucessor, apoiando o fracionamento do movimento trabalhista com Fernando Ferrari, o que facilitou o Golpe de 1964. A subalternidade tornava-se já a natureza das classes dominantes sulinas. Elas deviam ser substituídas, como caudilhos regionais, pelas classes trabalhadoras sulinas em um processo que já dependia fortemente da realidade nacional.


Para não me alongar, o golpe de 1964, no seu viés liberal-castelista, ou industrialista autoritário, após 1967, manteve e expandiu a política de subalternização relativa do Rio Grande do Sul, parcialmente fortalecido devido às iniciativas do governo de Leonel Brizola. O estado foi governado por outra sucessão de sargentões civis e militares.


Na última parte do trabalho, analiso o Rio Grande do Sul, após a chamada redemocratização, plenamente subjugado a um processo nacional já enquadrado no processo que levaria à redução do país ao atual status neo-colonial globalizado, que analiso no livro citado Revolução e Contra-Revolução no Brasil: 1530-2019. Esperanças e frustrações despertadas pelos governos petistas, que se limitaram entretanto a administrar o Estado em forma honesta, sem qualquer ruptura com a situação patológica que se vivia ou satisfação real de reivindicações das classes populares e trabalhadoras sulinas. O Estado vivia já total integração patológica ao grande capital, ao qual o PT nacional se adaptaria e impulsionaria. Destaco o governo de Antonio Britto, de 1995-1988, que privatizou, a preço de banana, o essencial do que havia sido construído nas décadas anteriores, sob o aplauso das classes dominantes regionais, já transformadas em geléia. Paradoxalmente, as grandes empresas públicas estaduais privatizadas eram sobretudo mecanismos de governo das classes dominantes regionais, em proveito próprio.


Avancei em um último sub-capítulo, nessa segunda edição, o espetáculo dos horrores que foram os governos que se sucederam de 2010 a 2021. Uma realidade que não terminou em pizza, mas, se me permitem o trocadilho, terminou em Leite! Após o tempo de grandes políticos, das classes dominantes, como Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Flores da Cunha, Leonel Brizola, abriu-se um tempo de políticos liliputianos, no geral interessados em servir o grande capital e serem por isso recompensados.


Construi minha Breve história do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais apoiado nas investigações originais de meus orientando e orientadas e minhas e, logicamente, na riquíssima historiografia sulina. Autores e autoras que não cito aqui, mas relacionai na bibliografia final do trabalho e, no texto, quando mereciam um maior destaque. Atualmente, esta segunda edição se encontra à disposição, em forma de livro e de e-book, no Clube de Autores - https://clubedeautores.com.br/livro/breve-historia-do-rio-grande-do-sul




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